terça-feira, 26 de agosto de 2014

Biografia - Almada Negreiros


José Sobral de Almada Negreiros nasceu na Fazenda Saudade, na freguesia da Trindade, em São Tomé, na madrugada do dia 7 de Abril de 1893, sendo aqui baptizado a 24 de Junho do mesmo ano. Era filho de António Lobo de Almada Negreiros, o administrador do conselho de S. Tomé, nascido no seio de uma família alentejana, em Aljustrel, e de Elvira Freire Sobral, natural de São Tomé e de ascendência angolana[1].

«Um anno! Um beijo de luz
Na tua face, criança!
Suavíssima esperança
Que desabrocha e seduz

Nunca se acabe a bonança
Que a tua fronte traduz,
Como um beijo de Jesus
Da Mãe na virgínea trança…

Talvez na estrada da vida
Sucumbas, estremecida
Criança, perante a Dôr;
Mas não perderás jamais
A santa bênção dos pais,
A bênção do eterno amor….»[2]

Com apenas dois anos, em 23 de Abril de 1895, Almada Negreiros veio para Lisboa na companhia dos seus pais e do seu irmão. Em Novembro do mesmo ano, os seus pais regressam a São Tomé, deixando os seus filhos em Cascais, em casa dos avós maternos, José António Freire Sobral e D. Mariana Emília de Sousa Sobral. 

Um ano depois, a 29 de Dezembro de 1896, Elvira Freire Sobral, a mãe de Almada Negreiros, morreu na sequência do parto. Foi, sem dúvida, um acontecimento doloroso para Almada Negreiros, levando este a expressar os seus sentimentos pela mãe nuns versos, alguns anos mais tarde[3].

«É meia-noite…
Eu vejo o céu
Onde tu estás Mamã…
Tu deixaste-me
Sem o querer!
Eu também não
Eu não o quis
Quem o permitiu?»

Depois da morte da sua mãe, o pai de José e António permaneceu em São Tomé[4], permanecendo os dois irmãos aos cuidados dos avós maternos, em Cascais. José foi educado por estes avós desde os dois até aos sete anos, idade em que entrou para o Colégio dos Jesuítas, em Campolide, onde ficou durante dez anos, até aos dezassete. Aqui, as suas habilidades para o desenho foram notadas, tal como acontecera com a sua mãe, quando esta estudara no Colégio das Ursulinas, em Coimbra[5]

José Sobral de Almada Negreiros entrou pela mão de seu pai no Colégio dos Jesuítas, em 1900, mas nunca mais voltou a vê-lo, pois este instalou-se terminantemente em Paris até ao ano da sua morte, em 1939[6]. No ano seguinte, em 8 de Outubro, o seu irmão António seguiu-lhe as pisadas, entrando também para o Colégio dos Jesuítas. 

Entre 1905-06, no Colégio dos Jesuítas, Almada Negreiros colaborou em três jornais: O Mundo, A Pátria e A República. Tinha entre doze a treze anos de idade e as suas actividades para os jornais passavam por escrever e desenhar. Após o encerramento do Colégio dos Jesuítas, em 5 de Outubro de 1910, «frequentou o Liceu de Coimbra, em 1910-11, e a Escola Internacional de Lisboa, nos dois anos escolares seguintes»[7]. Dedicou-se ao desenho humorístico, estreando-se em A Sátira, a 4 de Junho de 1911, dirigida por Joaquim Guerreiro e por Stuart de Carvalhais, com o desenho A Razão Ponderosa «de qualidade e graça medianas». Nesse mesmo ano, Almada expôs na I Exposição de Humoristas Portugueses, voltando a expor nesta, dois anos mais tarde.
Em 1913, Almada Negreiros expôs individualmente pela primeira vez cerca de noventa desenhos na Escola Internacional de Lisboa e contactou com Fernando Pessoa, após este expressar na revista Águia a sua opinião: «este artista tem brilhantismo e inteligência, muito e muita»[8], e em 1915, colaborou no primeiro número da revista Orpheu[9], que saiu em Abril do mesmo ano. Neste texto, Almada assinou ainda como desenhador, pois este era apenas o seu segundo texto, tendo criado o primeiro em 1913 (apenas publicado em 1922, na Contemporânea). 

«Ser autor é o caso mais sério que se regista na história da inteligência humana. Ser autor é, depois de saber tudo o que se conhece, trazer-nos inédito o que ainda pertence ao conhecimento geral»[10].

«Um dia foi a minha vez de ir a Paris», escreveu Almada, em 1921, após ter regressado a Lisboa de Paris. Permaneceu apenas um ano em terras parisienses, onde teve uma vida difícil, trabalhando como bailarino de cabaret e empregado numa fábrica de velas. Conheceu vários artistas, de quem ficou amigo, mas não houve um ideal que os unisse na Arte. Em Paris, Almada descobriu-se português e a sua ligação com Portugal. 

«A Arte não vive sem a Pátria do artista, aprendi eu isto para sempre no estrangeiro. As nossas pátrias eram diferentes. E escrevi nesses dias a minha muito querida «Histoire du Poutugal par Couer». Foi então que eu vi que a Arte tinha uma política, uma pátria e que o seu sentido universal existia intimamente ligado a cada país da Terra»[11].

Quando regressou à metrópole, no dia 7 de Abril de 1920, expôs os seus desenhos realizados entre 1913-20. Todavia, a exposição não teve muito sucesso, deixando Almada inquieto e surpreso perante esta Lisboa “pequena”, incapaz de evoluir e acompanhar a arte de vanguarda.

A Invenção do Dia Claro, criado em 1921, conta-nos a história de um filho pródigo em busca do saber livresco, mas que regressa ao seio maternal, certo do seu engano. «Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido»[12]

Entretanto, Almada escreveu o romance Nome de Guerra, em 1925, que foi apenas publicado em 1938. Este era um romance que participava activamente na vida da cidade e o nome da sua heroína de guerra era Judite. 

No campo das artes, realizou alguns painéis para a A Brasileira do Chiado para Bristol Club e publicou A Questão dos Painéis; a história de um acaso de uma importante descoberta e do seu autor.

Em 1927, o pintor viajou até Madrid e, em Junho, realizou uma exposição de desenhos na União Ibero-Americana por iniciativa La Gaceta Literária. Com esta exposição, o português sem mestre homenageou uma serie de pintores reconhecidos, como: Juan Gris, Picasso, Sunyer, Vasquez Diaz e Solana. Permaneceu na cidade até 1932[13].

Um ano mais tarde, Almada Negreiros casou com Sarah Afonso[14], com quem teve um filho no ano seguinte. Na sequência do nascimento do seu filho, o pintor realizou a obra Maternidade, em 1935, onde vemos uma figura feminina envolvendo o seu filho recém-nascido numa fusão de cores harmoniosas. Mais tarde, retrata novamente a sua mulher, sentada, apoiando a cabeça na sua mão, enquanto lê um jornal. É considerado por José-Augusto França «um dos melhores desenhos de Almada». 

Em 1938, concluiu os vitrais para a igreja de Nossa Senhora de Fátima (traçada pelo arquitecto Pardal Monteiro), em Lisboa, tendo começado a estudar para estes há quatro anos atrás. Predominam figuras religiosas, como a Virgem, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, as Santas Mulheres, entre outras. 

Na viragem para a década de 40, o pintor executou os frescos da sede do Diário de Notícias, com um planisfério, que ocupa o andar térreo do edifício, e quatro alegorias ao país e à imprensa, ocupando a alegoria à imprensa o átrio do edifício. No mesmo tempo, recebeu uma encomenda de frescos para a estação de Correios de Aveiro, onde, iconograficamente, enobreceu duas figuras femininas a ler e escrever cartas.

Pouco tempo depois, realizou os estudos preparatórios para a Gare Marítima de Alcântara e, após a sua conclusão e aprovação do Estado, dois anos mais tarde, finalizou os painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, dando-os por terminados em 1948.

A década de 50 trouxe outra notoriedade ao pintor com a execução do Retrato de Fernando Pessoa para o Restaurante Irmãos Unidos, em Lisboa. O poeta está sentado numa mesa de café, talvez no “Martinho da Arcada”, e a composição retrata o momento em que Pessoa pousou a caneta e puxou «uma fumaça». Sobre a mesa vemos o nº 2 da revista de Orpheu (presença da geração modernista), o café e o açucareiro. Este quadro atinge um preço record no seu leilão no restaurante, em Janeiro de 1970[15]

Em 1957, Almada concretizou quatro óleos iguais, a negro e branco, para a Fundação Gulbenkian: A Porta da Harmonia, O Ponto de Bauhütte, Quadrante 1 e Relação Nove/Dez.

No mesmo ano em que realizava estas pinturas, José de Almada Negreiros recebeu a encomenda de decorar as fachadas da Cidade Universitária da metrópole portuguesa. Concretizou a decoração incisa colorida da entrada da Faculdade de Letras, da Faculdade de Direito e da Reitoria da Cidade Universitária de Lisboa, dando-a por concluída em 1961.

Em 1959, o pintor Almada executou para o Hotel Ritz, para a Exposição de Lausana e para o Tribunal de Contas os cartões das tapeçarias, e em 1963 reproduziu dez desenhos riscados em vidro acrílico. Neste ano, realizou ainda os cenários do “Auto da Alma”, no Teatro Nacional de São Carlos, no centenário de Gil Vicente

Na última década da sua vida, foi reconhecido pelo seu trabalho: em 1966, recebeu o prémio Diário de Notícias, e em 1967, foi condecorado com o Grau-oficial da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada. Foi dado a conhecer no programa televisivo Zip-Zip, no Verão de 1969, apresentado por Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz.

José de Almada Negreiros faleceu a 15 de Junho de 1970, no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa. «Não sinto nem orgulho nem vaidade (…) Creio que é uma vitória de todos os portugueses. A mim faz-me supor que, afinal, alguma coisa fiz pela cultura do nosso país.»[16]


[1] O escritor e jornalista António Lobo de Almada Negreiros chegou a São Tomé a 24 de Julho de 1891, com vinte e três anos de idade. Aqui, casou com a mãe do multifacetado Almada Negreiros, Elvira Freire Sobral, filha de José António Freire Sobral, um grande exportador de São Tomé.
[2] AMBRÓSIO, António, Almada Negreiros – Africano, Editorial Estampa, Lisboa, 1979, pp. 69-70
[3] MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, volume 1, [s.n.], Lisboa, 1994, p. 3
[4] António Lobo de Almada Negreiros foi um pai ausente para os seus filhos, visitando José e António com intervalos de anos, em 26 de Maio de 1897 e em 22 de Dezembro de 1899, na sequência de outros compromissos até deixá-los definitivamente em 1900.
[5]«Que é o nosso instinto senão uma memória que é nossa e que já nos pertencia antes de termos nascido? E o nosso feitio moral e o físico? E a nossa vontade? E a nossa tendência? E a nossa vocação?» in MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, volume 1, [s.n]. Lisboa, 1994, p. 5
[6] Relativamente à ausência do pai, Almada escreveu: «É sempre preferível a um tio ou a uma tia ou a um casal de tios um estranho para substituir os pais. Um cordão umbilical não se falsifica. Ou há ou não há.» in AMBRÓSIO, António, Almada Negreiros – Africano, Editorial Estampa, Lisboa, 1979, p. 11
[7] FRANÇA, José-Augusto, Almada, o português sem mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 16
[8] CORDEIROS GALERIA (ed. lit.) e BARROSO, Eduardo Paz (co-autor), Almada: ecos de uma partilha, Cordeiros Galeria, Porto, 2004, p. 59
[9] Almada Negreiros não participou no segundo número da revista Orpheu, mas foi na sequência deste que escreveu o famoso Manifesto Anti-Dantas: «Uma geração, que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d’indigentes e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! Morra o Dantas, morra! Pim!» in ALMADA NEGREIROS, José, Obras Completas – Textos de Intervenção, volume VI, Estampa, Lisboa, 1972, p. 19
[10] TEIXEIRA, José de Monterroso (coord. científica), Almada: a cena do corpo, Centro Cultural de Belém, Lisboa, 1993, p. 23
[11] MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, volume 1, [s.n.], Lisboa, 1994, p. 107
[12] ALMADA NEGREIROS, José, A Invenção do Dia Claro, Assírio e Alvim, Lisboa, 2005, p. 11
[13] Como já tínhamos notado em Paris, Almada busca a sua nacionalidade. Ainda em Madrid, um ano antes de regressar a Lisboa, ele escreveu um poema sobre uma figura “chave” da nação portuguesa: «Era uma vez um português de Portugal/ O nome de Luís há-de bastar toda nação ouviu falar/ Estala a guerra e Portugal chama Luís para embarcar/ Na guerra andou a guerrear e perde um olho por Portugal/ Dias e dias de grande pensar juntou Luís a recordar /Ficou um livro ao terminar muito importante para estudar».
[14] Sarah Afonso nasceu em 1899, em Lisboa, filha de um oficial do exército. Com a ida do seu pai para Viana de Castelo, Sarah foi com ele e aí permaneceu até aos catorze anos de idade. Frequentou um colégio de freiras, que entretanto tivera que fechar devido à Implantação da República. O seu primeiro desenho, uma folha de uma planta, data de 1911. Três anos mais tarde retorna a Lisboa, entrando aos quinze anos para a Escola Superior de Belas-Artes, onde foi aluna de Columbano Bordalo Pinheiro. Em 1924, após a conclusão do concurso, foi para Paris, mas no ano seguinte voltou a Lisboa com grande pena sua. Demorou quatro anos a arranjar o dinheiro para regressar à capital francesa. Em 1933, Sarah casou com Almada Negreiros e, no ano seguinte, teve um filho. Pintou bastante nos primeiros anos de casada sobre a influência e incentivo do seu marido. Todavia, com o passar do tempo, Sarah deixou de pintar, descobrindo a arte de ilustrar. Faleceu com 83 anos de idade.
[15] No espaço de dezasseis anos, o valor do quadro aumentou cinquenta vezes, de trinta contos para mil e trezentos contos.
[16] FRANÇA, José-Augusto, Almada, o português sem mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 173



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