José Sobral de Almada Negreiros nasceu na Fazenda
Saudade, na freguesia da Trindade, em São Tomé, na madrugada do dia 7 de Abril
de 1893, sendo aqui baptizado a 24 de Junho do mesmo ano. Era filho de António
Lobo de Almada Negreiros, o administrador do conselho de S. Tomé, nascido no
seio de uma família alentejana, em Aljustrel, e de Elvira Freire Sobral,
natural de São Tomé e de ascendência angolana[1].
«Um anno! Um
beijo de luz
Na tua face,
criança!
Suavíssima
esperança
Que desabrocha e
seduz
Nunca se acabe a
bonança
Que a tua fronte
traduz,
Como um beijo de
Jesus
Da Mãe na virgínea
trança…
Talvez na
estrada da vida
Sucumbas,
estremecida
Criança, perante
a Dôr;
Mas não perderás
jamais
A santa bênção
dos pais,
A bênção do
eterno amor….»[2]
Com apenas dois anos, em 23 de Abril de 1895, Almada
Negreiros veio para Lisboa na companhia dos seus pais e do seu irmão. Em
Novembro do mesmo ano, os seus pais regressam a São Tomé, deixando os seus
filhos em Cascais, em casa dos avós maternos, José António Freire Sobral e D.
Mariana Emília de Sousa Sobral.
Um ano depois, a 29 de Dezembro de 1896, Elvira Freire Sobral, a mãe de Almada Negreiros, morreu na sequência do parto. Foi, sem dúvida, um acontecimento doloroso para Almada Negreiros, levando este a expressar os seus sentimentos pela mãe nuns versos, alguns anos mais tarde[3].
Um ano depois, a 29 de Dezembro de 1896, Elvira Freire Sobral, a mãe de Almada Negreiros, morreu na sequência do parto. Foi, sem dúvida, um acontecimento doloroso para Almada Negreiros, levando este a expressar os seus sentimentos pela mãe nuns versos, alguns anos mais tarde[3].
«É meia-noite…
Eu vejo o céu
Onde tu estás Mamã…
Tu deixaste-me
Sem o querer!
Eu também não
Eu não o quis
Quem o permitiu?»
Depois
da morte da sua mãe, o pai de José e António permaneceu em São Tomé[4], permanecendo
os dois irmãos aos cuidados dos avós maternos, em Cascais. José foi educado por
estes avós desde os dois até aos sete anos, idade em que entrou para o Colégio
dos Jesuítas, em Campolide, onde ficou durante dez anos, até aos dezassete.
Aqui, as suas habilidades para o desenho foram notadas, tal como acontecera com
a sua mãe, quando esta estudara no Colégio das Ursulinas, em Coimbra[5].
José Sobral de Almada Negreiros entrou pela mão de seu pai no Colégio dos Jesuítas, em 1900, mas nunca mais voltou a vê-lo, pois este instalou-se terminantemente em Paris até ao ano da sua morte, em 1939[6]. No ano seguinte, em 8 de Outubro, o seu irmão António seguiu-lhe as pisadas, entrando também para o Colégio dos Jesuítas.
Entre 1905-06, no Colégio dos Jesuítas, Almada Negreiros colaborou em três jornais: O Mundo, A Pátria e A República. Tinha entre doze a treze anos de idade e as suas actividades para os jornais passavam por escrever e desenhar. Após o encerramento do Colégio dos Jesuítas, em 5 de Outubro de 1910, «frequentou o Liceu de Coimbra, em 1910-11, e a Escola Internacional de Lisboa, nos dois anos escolares seguintes»[7]. Dedicou-se ao desenho humorístico, estreando-se em A Sátira, a 4 de Junho de 1911, dirigida por Joaquim Guerreiro e por Stuart de Carvalhais, com o desenho A Razão Ponderosa «de qualidade e graça medianas». Nesse mesmo ano, Almada expôs na I Exposição de Humoristas Portugueses, voltando a expor nesta, dois anos mais tarde.
Em 1913, Almada Negreiros expôs individualmente pela
primeira vez cerca de noventa desenhos na Escola Internacional de Lisboa e
contactou com Fernando Pessoa, após este expressar na revista Águia a sua opinião: «este artista tem
brilhantismo e inteligência, muito e muita»[8], e
em 1915, colaborou no primeiro número da revista Orpheu[9],
que saiu em Abril do mesmo ano. Neste texto, Almada assinou ainda como
desenhador, pois este era apenas o seu segundo texto, tendo criado o primeiro
em 1913 (apenas publicado em 1922, na Contemporânea).
«Ser autor é o
caso mais sério que se regista na história da inteligência humana. Ser autor é,
depois de saber tudo o que se conhece, trazer-nos inédito o que ainda pertence ao
conhecimento geral»[10].
«Um dia foi a minha vez de ir a Paris», escreveu
Almada, em 1921, após ter regressado a Lisboa de Paris. Permaneceu apenas um
ano em terras parisienses, onde teve uma vida difícil, trabalhando como
bailarino de cabaret e empregado numa fábrica de velas. Conheceu vários
artistas, de quem ficou amigo, mas não houve um ideal que os unisse na Arte. Em
Paris, Almada descobriu-se português e a sua ligação com Portugal.
«A Arte não vive sem a Pátria do artista, aprendi eu isto para sempre no estrangeiro. As nossas pátrias eram diferentes. E escrevi nesses dias a minha muito querida «Histoire du Poutugal par Couer». Foi então que eu vi que a Arte tinha uma política, uma pátria e que o seu sentido universal existia intimamente ligado a cada país da Terra»[11].
Quando regressou à metrópole, no dia 7 de Abril de
1920, expôs os seus desenhos realizados entre 1913-20. Todavia, a exposição não
teve muito sucesso, deixando Almada inquieto e surpreso perante esta Lisboa
“pequena”, incapaz de evoluir e acompanhar a arte de vanguarda.
A
Invenção do Dia Claro, criado em
1921, conta-nos a história de um filho pródigo em busca do saber livresco, mas
que regressa ao seio maternal, certo do seu engano. «Entrei numa livraria.
Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não
chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve certamente haver outras
maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido»[12].
Entretanto, Almada escreveu o romance Nome de Guerra, em 1925, que foi apenas
publicado em 1938. Este era um romance que participava activamente na vida da
cidade e o nome da sua heroína de guerra era Judite.
No campo das artes, realizou alguns painéis para a A Brasileira do Chiado para Bristol Club e publicou A Questão dos Painéis; a história de um
acaso de uma importante descoberta e do seu autor.
Em 1927, o pintor viajou até Madrid e, em Junho,
realizou uma exposição de desenhos na União
Ibero-Americana por iniciativa La
Gaceta Literária. Com esta exposição, o português sem mestre homenageou uma
serie de pintores reconhecidos, como: Juan Gris, Picasso, Sunyer, Vasquez Diaz
e Solana. Permaneceu na cidade até 1932[13].
Um ano mais tarde, Almada Negreiros casou com Sarah
Afonso[14],
com quem teve um filho no ano seguinte. Na sequência do nascimento do seu
filho, o pintor realizou a obra Maternidade,
em 1935, onde vemos uma figura feminina envolvendo o seu filho recém-nascido
numa fusão de cores harmoniosas. Mais tarde, retrata novamente a sua mulher,
sentada, apoiando a cabeça na sua mão, enquanto lê um jornal. É considerado por
José-Augusto França «um dos melhores desenhos de Almada».
Em 1938, concluiu os vitrais para a igreja de Nossa
Senhora de Fátima (traçada pelo arquitecto Pardal Monteiro), em Lisboa, tendo
começado a estudar para estes há quatro anos atrás. Predominam figuras
religiosas, como a Virgem, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, as Santas
Mulheres, entre outras.
Na viragem para a década de 40, o pintor executou os
frescos da sede do Diário de Notícias,
com um planisfério, que ocupa o andar térreo do edifício, e quatro alegorias ao
país e à imprensa, ocupando a alegoria à imprensa o átrio do edifício. No mesmo
tempo, recebeu uma encomenda de frescos para a estação de Correios de Aveiro,
onde, iconograficamente, enobreceu duas figuras femininas a ler e escrever
cartas.
Pouco tempo depois, realizou os estudos
preparatórios para a Gare Marítima de
Alcântara e, após a sua conclusão e aprovação do Estado, dois anos mais
tarde, finalizou os painéis da Gare
Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, dando-os por terminados em 1948.
A década de 50 trouxe outra notoriedade ao pintor
com a execução do Retrato de Fernando
Pessoa para o Restaurante Irmãos Unidos, em Lisboa. O poeta está sentado
numa mesa de café, talvez no “Martinho da Arcada”, e a composição retrata o
momento em que Pessoa pousou a caneta e puxou «uma fumaça». Sobre a mesa vemos
o nº 2 da revista de Orpheu (presença
da geração modernista), o café e o açucareiro. Este quadro atinge um preço record no seu leilão no restaurante, em Janeiro
de 1970[15].
Em 1957, Almada concretizou quatro óleos iguais, a
negro e branco, para a Fundação Gulbenkian: A
Porta da Harmonia, O Ponto de
Bauhütte, Quadrante 1 e Relação Nove/Dez.
No mesmo ano em que realizava estas pinturas, José
de Almada Negreiros recebeu a encomenda de decorar as fachadas da Cidade
Universitária da metrópole portuguesa. Concretizou a decoração incisa colorida da
entrada da Faculdade de Letras, da Faculdade de Direito e da Reitoria da Cidade
Universitária de Lisboa, dando-a por concluída em 1961.
Em 1959, o pintor Almada executou para o Hotel Ritz,
para a Exposição de Lausana e para o Tribunal de Contas os cartões das
tapeçarias, e em 1963 reproduziu dez desenhos riscados em vidro acrílico. Neste
ano, realizou ainda os cenários do “Auto da Alma”, no Teatro Nacional de São
Carlos, no centenário de Gil Vicente
Na última década da sua vida, foi reconhecido pelo
seu trabalho: em 1966, recebeu o prémio Diário
de Notícias, e em 1967, foi condecorado com o Grau-oficial da Ordem Militar
de Sant’Iago de Espada. Foi dado a conhecer no programa televisivo Zip-Zip, no Verão de 1969, apresentado
por Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz.
José de Almada Negreiros faleceu a 15 de Junho de
1970, no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa. «Não sinto nem orgulho
nem vaidade (…) Creio que é uma vitória de todos os portugueses. A mim faz-me
supor que, afinal, alguma coisa fiz pela cultura do nosso país.»[16]
[1] O escritor e jornalista António
Lobo de Almada Negreiros chegou a São Tomé a 24 de Julho de 1891, com vinte e
três anos de idade. Aqui, casou com a mãe do multifacetado Almada Negreiros,
Elvira Freire Sobral, filha de José António Freire Sobral, um grande exportador
de São Tomé.
[2] AMBRÓSIO, António, Almada Negreiros – Africano, Editorial
Estampa, Lisboa, 1979, pp. 69-70
[3] MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre
a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de
mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, volume 1, [s.n.], Lisboa, 1994, p. 3
[4] António Lobo de Almada Negreiros
foi um pai ausente para os seus filhos, visitando José e António com intervalos
de anos, em 26 de Maio de 1897 e em 22 de Dezembro de 1899, na sequência de
outros compromissos até deixá-los definitivamente em 1900.
[5]«Que é o nosso instinto senão uma
memória que é nossa e que já nos pertencia antes de termos nascido? E o nosso
feitio moral e o físico? E a nossa vontade? E a nossa tendência? E a nossa
vocação?» in MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre
a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de
mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, volume 1, [s.n]. Lisboa, 1994, p. 5
[6] Relativamente à ausência do pai,
Almada escreveu: «É sempre preferível a um tio ou a uma tia ou a um casal de
tios um estranho para substituir os pais. Um cordão umbilical não se falsifica.
Ou há ou não há.» in AMBRÓSIO,
António, Almada Negreiros – Africano,
Editorial Estampa, Lisboa, 1979, p. 11
[7] FRANÇA,
José-Augusto, Almada, o português sem
mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 16
[8] CORDEIROS GALERIA (ed. lit.) e
BARROSO, Eduardo Paz (co-autor), Almada:
ecos de uma partilha, Cordeiros Galeria, Porto, 2004, p. 59
[9] Almada Negreiros não participou
no segundo número da revista Orpheu,
mas foi na sequência deste que escreveu o famoso Manifesto Anti-Dantas: «Uma
geração, que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que
nunca o foi. É um coio d’indigentes e de cegos! É uma resma de charlatães e de
vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! Morra o Dantas,
morra! Pim!» in ALMADA NEGREIROS,
José, Obras Completas – Textos de
Intervenção, volume VI, Estampa, Lisboa, 1972, p. 19
[10] TEIXEIRA, José
de Monterroso (coord. científica), Almada:
a cena do corpo, Centro Cultural de Belém, Lisboa, 1993, p. 23
[11] MORAZZO, Diva, Almada – o artista plástico: um “ver” sobre
a obra plástica de José Sobral de Almada Negreiros (1893-1927), Tese de
mestrado e História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, volume 1, [s.n.], Lisboa, 1994, p. 107
[12] ALMADA NEGREIROS, José, A Invenção do Dia Claro, Assírio e
Alvim, Lisboa, 2005, p. 11
[13] Como já tínhamos notado em
Paris, Almada busca a sua nacionalidade. Ainda em Madrid, um ano antes de
regressar a Lisboa, ele escreveu um poema sobre uma figura “chave” da nação
portuguesa: «Era uma vez um português de Portugal/ O nome de Luís há-de bastar
toda nação ouviu falar/ Estala a guerra e Portugal chama Luís para embarcar/ Na
guerra andou a guerrear e perde um olho por Portugal/ Dias e dias de grande
pensar juntou Luís a recordar /Ficou um livro ao terminar muito importante para
estudar».
[14] Sarah Afonso nasceu em 1899, em
Lisboa, filha de um oficial do exército. Com a ida do seu pai para Viana de
Castelo, Sarah foi com ele e aí permaneceu até aos catorze anos de idade.
Frequentou um colégio de freiras, que entretanto tivera que fechar devido à
Implantação da República. O seu primeiro desenho, uma folha de uma planta, data
de 1911. Três anos mais tarde retorna a Lisboa, entrando aos quinze anos para a
Escola Superior de Belas-Artes, onde foi aluna de Columbano Bordalo Pinheiro.
Em 1924, após a conclusão do concurso, foi para Paris, mas no ano seguinte
voltou a Lisboa com grande pena sua. Demorou quatro anos a arranjar o dinheiro para
regressar à capital francesa. Em 1933, Sarah casou com Almada Negreiros e, no
ano seguinte, teve um filho. Pintou bastante nos primeiros anos de casada sobre
a influência e incentivo do seu marido. Todavia, com o passar do tempo, Sarah
deixou de pintar, descobrindo a arte de ilustrar. Faleceu com 83 anos de idade.
[15] No espaço de dezasseis anos, o
valor do quadro aumentou cinquenta vezes, de trinta contos para mil e trezentos
contos.
[16] FRANÇA,
José-Augusto, Almada, o português sem
mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 173
Sem comentários :
Enviar um comentário