As
Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos[1],
do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro[2],
foram construídas em 1940 a rogado do regime Salazarista, após várias
investidas de Salvador Sá Nogueira, administrador do Porto de Lisboa à época,
ter constatado que Lisboa, como cidade cosmopolita, não tinha um lugar digno e
cómodo para receber os seus visitantes que chegavam por mar. Salazar teve algum
receio em autorizar a sua construção ao nível do orçamento que estas exigiam,
mas a necessidade de mostrar um país moderno à luz do estrangeiro era
imperativo. Em relação à sua arquitectura, estas possuem semelhanças óbvias,
como o uso do betão armado, a disposição do edifício em dois pisos e a
organização dos restantes espaços de funções (zona de embarque).
As
Gares encerram um discurso magnificente da cidade de Lisboa, mas o que as tornam
realmente interessantes são os painéis do pintor José de Almada Negreiros,
executados segundo a técnica do mural a fresco, possuindo, cada painel da Gare
Marítima de Alcântara, 6,20 metros de altura e 3,50 metros largura, e na Gare
Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, 7,20 metros de altura e 3,80 de largura. Estes
encontram-se embutidos na parede no piso superior das Gares, na Sala de Espera,
com duplo pé direito. Cada gare levou ao artista dois anos e meio de estudo e
cerca de dois meses de execução.[3] A
Gare Marítima de Alcântara foi a primeira a ficar concluída em 1945, com oito
pinturas (dois trípticos e duas composições isoladas), e, em 1948, foi a vez da
Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos (dois trípticos)[4]. Nestes,
Lisboa é vista do rio e a «opção deste ponto de vista está relacionada não
apenas com o espaço real em que se encontram os murais, mas também com a
herança imagética de uma cidade que durante muitos séculos se organizou em
função do rio.»[5]
Os
dois trípticos e as duas composições isoladas da Gare Marítima de Alcântara
renderam a Almada Negreiros 200.000$00 e projectam a ideia de um passado
heróico através das lendas – D. Fuas Roupinho e Nau Catrineta – e de um
presente de orgulho nacionalista cheio de costumes e tradições – santos
populares e figuras-tipo, como as varinas e as carvoeiras. Os dois trípticos da
segunda gare marítima, a da Rocha do Conde de Óbidos, rendeu a Almada Negreiros
450.000$00, e espelham a cidade de Lisboa para os que partem, a partida, e para
os que ficam, a despedida.
Em 17 de Julho de 1943, a Gare Marítima
de Alcântara foi inaugurada com a recepção ao navio «Serpa Pinto», que chegava
da Filadélfia com 253 passageiros. Cinco anos depois, foi a vez da Gare da
Rocha do Conde de Óbidos, em 19 de Junho de 1948, com a chegada do paquete
«North King».
[1] Em 1939, a construção das gares
foi entregue ao arquitecto Pardal Monteiro. O projecto inicial previa uma
terceira gare no Cais do Sodré que não chegou a concretizar-se.
[2] À data da encomenda das gares, o
arquitecto Pardal Monteiro já era um profissional notado pela sociedade, tendo
recebido três Prémios Valmor e possuindo no seu currículo a construção de
edifícios como a Estação Ferroviária do Cais do Sodré, o Institutos Superior
Técnico e a igreja da Nossa Senhora de Fátima (novamente em parceria com Almada
Negreiros).
[3] «Creio não
haver antes cumprido melhor nem feito obra que fosse mais minha» diz o pintor
em 1953; e em 1965 informará: «Estudei cada (serie de frescos) dois anos e meio
e executei cada uma em setenta dias, acompanhado apenas pelo operário
carregador das tintas.» in FRANÇA,
José-Augusto, Almada, o português sem
mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 147
[4] Quando os murais ficaram
prontos, o Estado não gostou deles por considerá-los demasiado modernos e por
figurarem o povo em vez dos heróis da nação portuguesa. Implicou com
figuras-tipo, como os saltimbancos, que os turistas podiam associar a
marginais. Todavia, o Dr. João Couto defendeu Almada e as obras mantiveram-se
tal como o pintor as tinha concebido.
[5] GONÇALVES, Rui
Mário, História da Arte em Portugal: De
1945 à actualidade, volume 13, Publicações Alfa, Lisboa, 1986, pp. 13-14
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