segunda-feira, 1 de setembro de 2014

As Gares Marítimas de Lisboa

As Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos[1], do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro[2], foram construídas em 1940 a rogado do regime Salazarista, após várias investidas de Salvador Sá Nogueira, administrador do Porto de Lisboa à época, ter constatado que Lisboa, como cidade cosmopolita, não tinha um lugar digno e cómodo para receber os seus visitantes que chegavam por mar. Salazar teve algum receio em autorizar a sua construção ao nível do orçamento que estas exigiam, mas a necessidade de mostrar um país moderno à luz do estrangeiro era imperativo. Em relação à sua arquitectura, estas possuem semelhanças óbvias, como o uso do betão armado, a disposição do edifício em dois pisos e a organização dos restantes espaços de funções (zona de embarque). 

As Gares encerram um discurso magnificente da cidade de Lisboa, mas o que as tornam realmente interessantes são os painéis do pintor José de Almada Negreiros, executados segundo a técnica do mural a fresco, possuindo, cada painel da Gare Marítima de Alcântara, 6,20 metros de altura e 3,50 metros largura, e na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, 7,20 metros de altura e 3,80 de largura. Estes encontram-se embutidos na parede no piso superior das Gares, na Sala de Espera, com duplo pé direito. Cada gare levou ao artista dois anos e meio de estudo e cerca de dois meses de execução.[3] A Gare Marítima de Alcântara foi a primeira a ficar concluída em 1945, com oito pinturas (dois trípticos e duas composições isoladas), e, em 1948, foi a vez da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos (dois trípticos)[4]. Nestes, Lisboa é vista do rio e a «opção deste ponto de vista está relacionada não apenas com o espaço real em que se encontram os murais, mas também com a herança imagética de uma cidade que durante muitos séculos se organizou em função do rio.»[5]

Os dois trípticos e as duas composições isoladas da Gare Marítima de Alcântara renderam a Almada Negreiros 200.000$00 e projectam a ideia de um passado heróico através das lendas – D. Fuas Roupinho e Nau Catrineta – e de um presente de orgulho nacionalista cheio de costumes e tradições – santos populares e figuras-tipo, como as varinas e as carvoeiras. Os dois trípticos da segunda gare marítima, a da Rocha do Conde de Óbidos, rendeu a Almada Negreiros 450.000$00, e espelham a cidade de Lisboa para os que partem, a partida, e para os que ficam, a despedida.

Em 17 de Julho de 1943, a Gare Marítima de Alcântara foi inaugurada com a recepção ao navio «Serpa Pinto», que chegava da Filadélfia com 253 passageiros. Cinco anos depois, foi a vez da Gare da Rocha do Conde de Óbidos, em 19 de Junho de 1948, com a chegada do paquete «North King».













[1] Em 1939, a construção das gares foi entregue ao arquitecto Pardal Monteiro. O projecto inicial previa uma terceira gare no Cais do Sodré que não chegou a concretizar-se.
[2] À data da encomenda das gares, o arquitecto Pardal Monteiro já era um profissional notado pela sociedade, tendo recebido três Prémios Valmor e possuindo no seu currículo a construção de edifícios como a Estação Ferroviária do Cais do Sodré, o Institutos Superior Técnico e a igreja da Nossa Senhora de Fátima (novamente em parceria com Almada Negreiros).
[3] «Creio não haver antes cumprido melhor nem feito obra que fosse mais minha» diz o pintor em 1953; e em 1965 informará: «Estudei cada (serie de frescos) dois anos e meio e executei cada uma em setenta dias, acompanhado apenas pelo operário carregador das tintas.» in FRANÇA, José-Augusto, Almada, o português sem mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, p. 147
[4] Quando os murais ficaram prontos, o Estado não gostou deles por considerá-los demasiado modernos e por figurarem o povo em vez dos heróis da nação portuguesa. Implicou com figuras-tipo, como os saltimbancos, que os turistas podiam associar a marginais. Todavia, o Dr. João Couto defendeu Almada e as obras mantiveram-se tal como o pintor as tinha concebido.
[5] GONÇALVES, Rui Mário, História da Arte em Portugal: De 1945 à actualidade, volume 13, Publicações Alfa, Lisboa, 1986, pp. 13-14




















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