domingo, 14 de setembro de 2014

Mercado artístico no feminino

Grande parte dos artistas experienciam primeiro o mercado secundário e, só posteriormente, o mercado primário, nomeadamente, as artistas do sexo feminino. O mercado secundário é, ainda assim, um risco, pois os artistas podem não chegar a ver o seu trabalho no mercado de arte e perdem a oportunidade de ter uma carreira de sucesso[1].
Os leilões de arte são, atualmente, os principais eventos do mercado de arte que tem como fim valores económicos consideráveis. Contudo, neste campo, assim como em outros, a mulher artista ainda é subvalorizada em comparação com a arte feita por homens. A discrepância de valores entre os dois géneros é acentuada e muitas são as personagens (colecionadores, galeristas, compradores, curadores) do mundo da arte a concordar que o género não devia ser o fator variável nos valores das obras no mercado de arte. E embora algumas obras de artistas femininas atinjam valores na ordem dos milhões será sempre inferior às obras feitas por homens.
Debrucemo-nos sobre os valores atingidos no ranking mundial de obras de arte em 2012. Em primeiro lugar, encontramos a obra Card Players, de Paul Cezanne, no valor de 250 milhões, em segundo, No. 5, de Jackson Pollock, de 140 milhões, e em terceiro, Woman III, de Willem de Kooning, de 137.5 milhões. Neste ranking, a primeira obra de uma artista feminina surge no 49º lugar, de Louise Bourgeois, que atingiu o preço de 10.7 milhões, ou seja, vinte vezes menos o valor da obra de Cezanne.
Também o mercado de arte é dominado pelo poder masculino. Se verificarmos o género dos compradores, galeristas, colecionadores, entre outros, deparamos-nos que na sua maioria são do sexo masculino. Este fato é ainda notável nos leilões, pois a compra de uma obra de arte, muitas vezes independentemente do conteúdo, está ligada ao sentimento de posse.
É, então, neste mercado dominado por homens que as artistas femininas tentam ver as suas obras valorizadas junto dos compradores. Todavia, a verdade é que a obra feita por mulheres tem sempre uma cotação mais baixa. A origem deste problema pode estar na ausência do seu género na história da arte internacional, pois se abrirmos um livro dedicado às artes, como o de Janson, demoramos algum tempo a encontrar alguma obra de uma artista feminina e, na eventualidade de encontrarmos, não será, com toda a certeza, uma “génio” das artes, uma “Caravaggio” ou uma “Picasso”.

Ainda assim, esta tendência pode e deve ser contrariada. A mulher, enquanto género, está cada vez mais forte e, destacamos aqui, dois nomes da arte em Portugal: Paula Rego e Joana Vasconcelos. Estas figuras de proa nacionais têm tudo para mudar o mercado de arte, não só nacional, como internacional.

Para além da diferenciação entre género, há a dissemelhança entre obras de mulheres e obras feministas. A diferença acentua sobretudo nas mulheres que desejam incorporar certos temas nas suas obras, como o aborto, a independência, a igualdade de direitos, a violência doméstica, entre outros.
Também este tipo de obra tem de procurar o seu lugar no mercado de arte e, muitas vezes, subverter os seus temas aos critérios deste mesmo mercado[2], porém não deixa de ser contraditória a vontade destas mulheres obterem legitimação de um poder que censuram. Se por um lado criticam um sistema, por o outro procuram a sua ajuda para alcançar o mercado de arte. Estamos perante uma contradição que facilmente é justificável se tivermos em conta que muitas destas mulheres pretendem viver do seu trabalho.

A mulher artista tem como objetivo principal a divulgação das questões do género, mas muitas vezes não seja possível pela ausência de promoção pelas instituições. O lucro deveria estar na mira, tanto para as instituições como para a artistas, pois se a sua obra não for conhecida, ou bem cotada ou vendida, perde o seu objetivo principal e não chega ao público. 
Concluindo, os homens são as grandes referências no mercado de arte, contudo esta é uma tendência com um fim à vista, com o nascimento de um mercado cada vez mais acessível à mulher e às suas obras.

Constatamos, ao longo do tempo, uma expansão das mulheres artistas no mercado artístico, fenómeno ao qual Portugal não ficou absorto. Contudo, não só o número de artistas femininas aumentou como verificamos uma mudança de postura, um abandono do “tradicional”, dos temas domésticos, e uma adoção do que é novo e quase sempre referenciado aos artistas masculinos. 
Desde sempre, a mulher teve uma maneira de pintar dissemelhante à maneira dos homens. A arte feita pela mulher passou sempre pela reprodução de temas domésticos, no interior do lar, enquanto os artistas masculinos optavam por capturar na tela os temas do exterior. Entre os temas favoritos das mulheres encontramos o retrato da família e de crianças.
Todavia, o século XX foi o período de acentuada mudança nos temas das artistas femininas e, como tal, estas tiveram uma maior abertura do mercado às suas obras.

Vieira da Silva[3] foi uma artista portuguesa que ganhou destaque no estrangeiro, mas não foi esquecida em Portugal. Emigrou para França em 1928, mas dois anos mais tarde já era conhecida da crítica portuguesa. Segundo Patrícia Esquível:
“O seu afastamento do meio cultural português, fortemente condicionado pelas questões do nacionalismo artístico, a sua proximidade dos principais centros artísticos europeus, a sua estatura e forte personalidade artística, permitir-lhe-ão ultrapassar os preceitos dicotómicos de feminilidade/masculinidade pictórica que enformavam a recepção (e a produção) da pintura portuguesa feita por mulheres”[4].

Desde cedo, Maria Helena Vieira da Silva distanciou-se da feminidade presente nas obras de arte feita pelas mulheres e aproximou-se da masculinidade, adaptando temas como a abstração e a geometria. Este foi um claro sinal que as mulheres poderiam alcançar o estatuto dos homens[5].
Ainda assim, a pintora esclarece que não foi fácil vincar no mercado de arte. Muitas vezes, os seus vendedores ocultaram o seu género face aos compradores, chegando um dos s clientes a devolver a obra. Por fim, esta afirma que as mulheres “são tomadas menos a sério”.
Vieira da Silva marcou o mercado de arte português, localizando-se no top das artistas mais bem vendidas em leilões internacionais, ultrapassando Paula Rego e Joana Vasconcelos. O quadro da pintora Saint Fargeau foi arrematado por 1.544.701 euros, num leilão em Paris, realizado pela Tajan. Esta obra foi, na altura, em 2011, um recorde a nível global. Pertencia à coleção de Jorge de Brito, um dos mais importante colecionadores do século XX, e chegou a leilão com mais setenta peças deste.
Maria Helena Vieira da Silva, St. Fargeau, 1961-1965
63x44 cm, óleo sobre tela

Paula Figueiroa Rego[6], de nacionalidade portuguesa, mudou-se para Inglaterra em 1952 e, a partir desse momento, Portugal perdeu aquela que seria a artista feminista de destaque na segunda metade do século XX. Foi nesta estada em Inglaterra que Paulo Rego teve a hipótese de evoluir e mostrar o seu trabalho, atingindo, com as suas obras, valores consideráveis nos leilões das principais leiloeiras.
Em 2004, um leilão realizado pela Sotheby’s em Londres incluiu duas obras de Paula Rego junto de outras obras de ilustres artistas masculinos de reconhecido nome internacional, como Francis Bacon e Andy Warhol. Uma das suas peças, The Sweeper, estimava-se, na altura, alcançar os 100 mil euros.
Seis anos mais tarde, o quadro da pintora alfacinha, Deposition, datado de 2000, atinge 355 mil euros no leilão da Christie’s, superando a estimativa que variava entre 221 mil a 307 mil euros.
Porém, este foi só o início da pintora feminista, pois, em 2011, os jornais nacionais da altura dão a conhecer aos portugueses a venda de um quadro de Paula Rego pelo valor de 864.792 euros. O quadro foi estimado pela sua vendedora, a Christie’s, entre 600 e 800 mil libras, visto estarmos perante a obra mais poderosa de Paula Rego. Looking back ultrapassou a venda de Baying[7] (740 mil euros), mas continuou, ainda assim, atrás de Maria Helena Vieira da Silva[8].
No entanto, neste leilão da Christie’s, foi, novamente, uma obra de autoria masculina que atingiu valores dantescos rondando os 20 milhões de euros[9], ou seja, embora as mulheres já estejam presente no mercado de arte, estas ainda têm de percorrer um longo caminho no ranking das obras mais bem vendidas.

 Paula Rego, Bayng, 1994 pastel sobre tela


Desde o ensino secundário, Joana Vasconcelos[10] manteve contato permanente com os estudos artísticos e, foi nos degraus da discoteca Lux, em 2001, que atingiu a popularidade procurada através da exposição do lustre feito com 14 mil tampões femininos.
A partir daqui, Joana Vasconcelos e a sua imagem estava vendida. As suas obras passaram a integrar leilões no valor de milhões, tal como já tinha acontecido com Vieira da Silva e Paula Rego.
Em 2009, a obra Coração Independente Dourado[11], de 2004, com 3,70 metros de altura e 2,00 de largura, foi leiloada na Christie’s, em Londres. A sua base de licitação situou-se entre 94 mil e 141 mil euros, acabando por ser leiloada por 192 mil euros a uma compradora anónima.



Joana Vasconcelos, Coração Independente Dourado, 2004
385x225x50 cm, Coleção Georges Marci, Gstaad

Poucos meses depois, a 11 de Fevereiro de 2010, Marylin[12], os enormes sapatos de Joana Vasconcelos, feitos de panelas, foram vendidos por 573.964 mil no leilão de arte “Post-War & Contemporany Art” da Christie’s, no Reino Unido. A sua base de licitação, consideravelmente baixa para o preço que atingiu, era de 115 mil e 172 mil euros. Neste leilão, a artista tinha ainda outra obra, “The Death of the Blind Sister”, arrematada po 165.004 mil euros.
No mesmo ano, outras obras da artista participou em outras leilões, como o Coração Independente Vermelho 2, de 2008, arrematado por 148.5 mil euros, e Carmen Miranda[13], também em 2008, findado por quase 260 mil euros.


Joana Vasconcelos, Carmen Miranda, 2008
270x150x430cm, panelas e tampas em aço inoxidável e cimento, Sefridges Art Collection, Londres

Em 2013, voltamos a ver obras da artista no mercado, mas com valores baixos, tendo em conta as obras anteriores em leilão. Encontramos obras como Emmeline e Ophelia, em leilão no dia 26 e Junho, em Londres, e O Infante, no dia 14 de Novembro, na casa Varitas.





[1] A especulação das obras de arte é um fator para estas atingirem valores dantescos nos leilões de arte.
[2] Por exemplo, Paula Rego é uma artista que produz obras com grande carácter feminista, que tem como objetivo chocar e chamar atenção de todos. Por sinal, os seus temas ou simplesmente a sua qualidade como artista atraiu e atrai a atenção do mercado.
[3] Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa, em 1908, e apenas com 11 de anos de idade iniciou os seus estudos artísticos. Em 1928, partiu para Paris, onde se instalou com a sua mãe. Aqui, continuou a sua formação na Academia da Grande Chaumière e na Academia Escandinava e, dois anos mais tarde, casou com o pintor húngaro Arpad Szenes. Em 1935, Vieira da Silva e o marido instalaram-se em Lisboa e a artista realizou a sua primeira exposição. Contudo, a recusa de nacionalidade portuguesa pelo regime, levou a pintora a emigrar para o Brasil, onde permaneceu de 1940 a 1947. Desde então, a artista acomodou-se de vez em Paris e aí faleceu em 1992.
[4] ESQUÍVEL, Patrícia, “Mulheres artistas na idade da razão. Arte e crítica na década de 1960 em Portugal” in Ex aequo, Vila Franca de Xira, nº21, 2010, p. 148
[5] Vieira da Silva recebeu o Grande Prémio da Bienal de S. Paulo, em 1962, e o Grand Prix National des Arts, quatro anos mais tarde, em França.
[6] Paula Rego nasceu em 1935, em Lisboa, no seio de uma família liberal, que a incentivou a sair do Portugal de Salazar com apenas 17 anos, enveredando na prestigiada Slade School of Fine Arte, em Londres. Aqui conheceu vários artistas, como o seu marido, Victor Willing, de quem tem três filhos. A itinerância foi constante na vida da artista até meados dos anos 70, quando passou a lecionar na mesma escola onde se formou.
[7] A obra Bayng (Uivando, em português) atingiu 740 mil euros.
[8] As obras Lisbonn-ville e Ode à l’Hiver de Maria Helena Vieira da Silva alcançaram, cada uma, mais de um milhão de euros
[9] O record deste leilão foi atingido por Francis Bacon, com a obra Study for portrait, que alcançou o valor de 20 milhões, seguindo-se Andy Warhol, com Mao, e Peter Doig, com Red Boat–Imaginary boys, rondando os 0s 7 e 6 milhões.
[10] Joana Vasconcelos nasceu em Paris, mas atualmente vive em Portugal. Depois de tentar entrar no curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica, decidiu enveredar na Escola AR.CO – Centro de Arte e Comunicação Visual. Expõe desde 1990. A sua primeira peça de exposição, Flores do meu Desejo, inspirado no filme de Almodôvar, foi a primeira peça abordar o universo feminino e a estar atenta aos desejos do público.
[11] Uma obra encomendada pelo restaurante Eleven. Este pretendia englobar no seu espaço uma obra que concentrasse tradição portuguesa, história, luxo e comida e, como tal, Joana Vasconcelos inseriu o fado (ligado à comida), os talheres e a joalharia.
[12] Foi a obra de Joana Vasconcelos com valor mais elevado num leilão, colocando-se em terceiro lugar no ranking dos artistas portugueses (ou das artistas). Em primeiro lugar, encontramos Maria Vieira da Silva com mais de um milhão de euros, e em segundo, Paula Rego alcançando o valor de 740.00 mil com a obra Baying.
[13] Joana Vasconcelos elaborou cinco esculturas de sapatos com tachos e panelas, às quais atribui nomes de personagens, reais ou ficcionais, ligadas à beleza: Dorothy, Cinderela, Priscilla, Carmen Miranda e Marylin. Só os sapatos “Marylin” são um par. 

Sem comentários :

Enviar um comentário